Há 6 anos, as 16h e 45min, eu estreava como mãe. Num susto, soube que era hora dele chegar; nome ainda não definido, malas prontas porque sempre fui precavida, saímos pra fazer um exame de ultrassom. Eu estava na 37.ª semana de gravidez.
No consultório, imperava um silêncio daquele que incomoda. Finalmente a médica começou a dizer:
- acho melhor falarmos com sua obstetra porque o liquido não está na quantidade suficiente. Possivelmente ela vai querer fazer o parto ainda hoje.
Eu e Giovanni nos entreolhamos incrédulos e a partir desse momento eu pedia a D´us que a obstetra dissesse algo diferente. O bebê ainda estava com baixo peso e eu queria muito chegar o mais perto possível da 40.ª semana.
O consultório da obstetra era ao lado e então pudemos logo ser atendidos. Sentar naquela maca pra mais um exame de toque era um pesadelo. Porém, necessário.
- Myriam, você já perdeu o tampão.O trabalho de parto está ativo e a água que você vem perdendo nos últimos dias é liquido amniótico. Seu filho está correndo mais perigo aí dentro do que aqui fora. Tem que ser hoje. Disse a obstetra num tom que oscilava entre o acolhedor e o preocupante.
- Hoje?!
- É, por volta das 16h. Já vou ligar pra equipe. E qual vai ser o nome do meninão? Definiram? Em uma nítida tentativa de abrandar a tensão que se estabeleceu.
- E aí, Giovanni? Daniel ou Rafael? perguntei, tentando sorrir.
- Por mim, você sabe...prefiro Daniel.
- Então tá. É isso, Dra.! Parece que Daniel vai chegar!
E assim saímos do consultório: muito assustados, com nome definido e com a incumbência de nos prepararmos para a grande hora.
Liguei pra minha mãe. Quem mais poderia ser a primeira a receber a noticia? Não tem jeito. Na aflição, o primeiro pensamento é a mãe...eu contei que aquele sábado não seria qualquer sábado, mas na verdade, eu que queria perguntar: mãe, me ensina a ser mãe?
Chegamos ao hospital e minha pressão estava bem alta. O susto, a emoção e o medo mandaram meu corpo avisar que era hora mas não pra mim. Não há preparo. A jornada de 37 semanas não foi suficiente. A espera é longa no tempo, porém insuficiente quando chega a hora de se ser o que ainda não se sabe ser.
Todos alegres, equipe acolhedora, amiga querida pediatra, marido segurando minhas mãos - eu queria que ele me segurasse inteira. Tudo estava nos conformes. Menos eu, que ria apenas para fora. Eu estava apavorada. Uma dor de cabeça enorme, como um peso...o peso da responsabilidade. E agora?! Como vai ser? Como ele será? "Mas quem eu será?"
- Dr., tô enjoada...
- Normal, Myriam. Vou ajustar a medicação e você vai já se sentir melhor.
- Melhorou?
Consenti. Eu queria falar mas as palavras não saíam.
Poucos minutos depois, um chorinho. Percebo a movimentação. Conheço-o entre lágrimas e tenho direito a uma foto.
- Amiga, ele tá muito cansado. Preciso levá-lo pra UTI. Vai ficar tudo bem, foram as palavras da pediatra.
- Mais uma vez consinto. Eu queria falar mas as palavras, de novo, não saíam. Sinto ainda mais medo e o medo me faz soltar a voz:
- Giovanni, me deixa! Vai atrás do Daniel.
- Mãe, você está muito nervosa, diz o sábio médico. Vou lhe fazer descansar.
Dizem que falei com as pessoas no quarto. Dizem que muita gente estava lá. Mas não sei. Não lembro. Acordei 12h depois do primeiro choro, já fazendo menção de levantar.
- Quero ver meu filho. AGORA.
- Mas são 4h da manhã, amor.
- Eu vou agora!
E assim fui, com dor, curvada, arrastando os pés, sem pedir pra entrar, sem colocar os aparatos necessários, apenas com a coragem que de repente descobri que eu tinha e entrei na sala para ver meu filho naquela máquina, usando sonda com seus 2.600 quilinhos.
- Senhora, o que a senhora está fazendo aqui? Não pode entrar!!!
- Vim ver meu filho!
- Mas a senhora nem vestiu a roupa.
- Sinto muito. Eu tinha que vê-lo.
- Agora a senhora precisa sair. Amanhã poderá vê-lo.
Obedeci. A contragosto, fui me deitar. Foram apenas 36h de UTI. Pareceu uma eternidade. Bravas mães de UTI. Meu repeito e abraço.
Saímos do hospital no dia 16 de novembro. Quando entramos em casa com o nosso pacotinho, bateu o típico desespero do desconhecido. Foi uma mistura de alívio, tristeza, medo, dúvidas, amor, que nem sei explicar, mesmo hoje. Ali, comecei minha jornada de mãe. Conheci os dias mais alegres e também os mais tristes e solitários que já havia experimentado ao longo daqueles 29 anos. Foi dificil entender que minhas emoções nunca mais seriam constantes. Que nunca mais a vida seria igual e que eu havia me tornado outra mulher. Que eu iria buscar a familia como nunca. Que as prioridades seriam outras. Que o tempo ficaria escasso e que era preciso me afastar de tudo o que eu conhecia para tentar entender o que eu queria e quem eu seria a partir dali. A fissura da maternidade dói. O peito rachado dói. O corpo dói. A cabeça dói. A falta de sono dói. Aprender dói. O primeiro filho vem com essa carga - pesada, eu diria - de fazer você pegar no tranco. É um rompimento absurdo, impossível de passar incólume. É daquelas mudanças que só entende quem passa e nada do que eu disser aqui vai ser suficiente para alguém que não experimentou. O amor é genuíno, com uma cartela de cores inimaginável. A viagem mais incrível e dura que já fiz. Eu me debato no divã todas as quintas-feiras em busca de ser a melhor mãe possível para que eu possa tornar meus meninos os melhores homens possíveis. Esse trabalho é um caminho por vezes tortuoso mas é recompensador.
- Dan, se te olho com ternura, eu te amo! Se te olho com dureza, eu te amo! Se te olho com alegria, eu te amo! Se te olho com firmeza, eu te amo! Se te olho com saudade, eu te amo! Se te olho com contrariedade, eu te amo! Se te olho preocupada, eu te amo! Se te olho com "brabeza", eu te amo! Se te olho de longe, eu te amo! Se apenas te olho, filho, eu te amo...sempre!
Feliz 6 anos!!!
Mamãe